A essência da dor.

O homem é um ser que se amargura.

Causam-lhe decepções e desilusões, não só as pessoas com as quais convive, mas também muitos acontecimentos em sua vida: o emprego que perde, a promoção que não chega, o amigo que o decepciona, o vizinho que o atormenta, o inquilino que não lhe paga, o sócio que o ludibria, o filho que é indolente, a mulher que não o compreende, o marido que a abandona, os cataclismos nacionais e internacionais.

O homem sofre, sobretudo porque não consegue realizar seus desejos: a esperada viagem, a compra da casa ideal, o carro dos seus sonhos, o sítio onde criaria galinhas, e assim por diante.

Amargura-se porque não pode pagar o aluguel, comer um pouco melhor ou simplesmente vestir-se com mais apuro.

Como sofre o homem nos seus desejozinhos!

Desejos aparentemente tão fáceis de se satisfazerem, mas que satisfeitos, prenunciam desejos maiores, insaciáveis, que o acompanham pela vida afora, fazendo dele o ser amargurado que é.

Angustiado, faz novenas, promessas aos santos, pedidos ao anjo da guarda; acompanha ladainhas, canta hinos, persigna-se com água benta, engole hóstias e sermões, lê desesperadamente, tudo aceita e incorpora, e quanto mais fortifica o Eu, mais acrescenta em sofrimento, porque é da natureza do ego o conflito, a perturbação.

Comumente desamparado de recursos psíquicos para descer ao fundo de si mesmo, fica o homem na sua superfície, onde vãmenete se debate e grita, na tentativa de resolver seus problemas dolorosos: “Senhor! Como ei de mudar este meu marido que bebe desta maneira?” “Meu Deus! Eu quisera uma melhor posição na vida!”

No desespero, corre à magia dos azares, no anseio pela sorte: vai às casas lotéricas, compra bilhetes, joga nos números, e sonha, durante as horas que precedem a “extração”, com os “seus” milhões.

Imagina longamente, quase num orgasmo, o que faria com o dinheirão, fica repentinamente generoso, e quer, pelo pensamento e coração, agradar aos céus, para que o favoreça e dele não se esqueça. “Eu daria tanto para uma obra de caridade, edificaria um abrigo para os velhinhos desamparados, ajudaria o mano velho, coitado, compraria a casinha que mamãe sempre sonhou…

“Tão generoso fica naqueles momento, porém, se ganha, e às vezes, desgraçadamente, ganha, esquece de tudo e só de si se lembra.

Na fartura, mais hipertrofia o Eu, para doer, dourado e farto, o mesmo que antes doía, faminto e opaco.

O homem é uma entidade que dói, na pobreza ou na riqueza, na ignorância como na erudição, no anonimato como na fama, na saúde e na doença, na prisão e na liberdade.

Seja quem for, esteja onde estiver, a sós ou acompanhado, o homem sofre, o homem dói, inclusive quando canta e ri porque canta quase só tragédias, e quando ri, comprime as lacrimais e se debulha em lágrimas.

Tem momentos de alegria, embora poucos, mas nestes já se lembra do sofrimento que passou, surpreende-se alegre e de novo fica triste.

O homem chora. Como chora! Se para chorar não tem motivos atuais, procura-os, cria-os, inventa-os: assiste a novelas lacrimosas, à filmes tristes, vai a velório e penaliza-se, mergulha na saudade daquele que morreu, e chora: “Ah! Coitado, tão moço!” “Ah! A vovó, tão velhinha!”

E chora o homem, pelo homem que morreu na tristeza de morrer, de aqui deixar.

Só, desamparado, o homem chora de pena de si mesmo, na morbidez da auto-compaixão.

Pode a vida, acaso, aliviar a dor que ao homem consubstancia?

Pode sim. O alívio, o bálsamo, o lenitivo ao homem chega quando ele se entrega à vida, sem malícia, em cândida inocência, sem apegos, em total entrega..

Se disto for capaz, terá a benção do alívio, do nirvana, do paraíso.

Isto é consequência de um ato de fé. Contudo, a palavra fé vem sempre carregada de significados, qualificações, conotações, atributos que lhe alteram a essência.

O estado de espírito que enseja o alívio é um estado, um estar, um ser, sumamente receptivo, isento de resistência.

Nele, o homem intensifica em si a força que o vivificou no mundo, ao tempo que se deixa por ela permear.

Quando o faz num total despreendimento, com entrega, com fé, a vida dele cuida.

Ao homem cumpre estar receptivo, entreaberto ao cosmo, da mesma forma que a flor se entreabre ao sol para nutrir-se, vivificar e produzir frutos.

Entretanto, o homem fica com o que é, sem nenhuma idéia de vir-a-ser. Fica como é, sem nenhuma noção de como deveria ser.

Fica num estado passivo, não objetiva nada, não colima fim algum, nada quer mudar porque a nada avalia.

A vida ajuda, balsamiza e alivia a dor do homem, quando este lhe oferece a oportunidade de o fazer.

Em geral, o homem passível de receber a ajuda da vida encontra-se aflito, perturbado. E nessa perturbação, não pode entender o que vida pode lhe oferecer.